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Invento o Cais
Sesc Niterói
2024-2025

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   Há mais de 60 anos o mar avança sobre a praia de Atafona no litoral Norte Fluminense. Mais de 8 quarteirões desapareceram sob a força das águas que seguem comendo o território. Diante do colapso ambiental global, como consequência do “capitaloceno”, a paisagem erodida de Atafona parece uma antecipação do futuro apocalíptico da civilização na era do capital. “Praia do apocalipse” é a imagem sensacionalista do fenômeno que tem ganhado os noticiários, é comum encontrarmos passagens do texto bíblico de João entre as ruínas da praia anunciando o retorno de Jesus. Essas narrativas do fim tendem a apagar as intensas vivências que ocorrem hoje em Atafona e também a memória e a cultura pesqueira do local, dando ênfase apenas ao “espetáculo da catástrofe” e desviando de uma reflexão ambiental crítica. 

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    Nesse contexto, a CasaDuna - Centro de Arte, Pesquisa e Memória criado por Julia Naidin e Fernando Codeço, promove uma abordagem vivencial do fenômeno em Atafona, através de imersões artísticas realizadas entre os anos de 2018 e 2022.  “Invento o Cais” surge como desdobramento da residência “Caos Cais Cosmos”, parceria realizada com Daniel Toledo na pós-pandemia. As obras aqui reunidas são resultado de pesquisas e processos criativos vividos no território de Atafona. A noção de fim é substituída pela de invenção: onde o chão afunda inventamos o cais, afirmando a vida, ainda que em meio aos escombros. O título da exposição, emprestada da música “Cais” de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, nos remete à metáfora da viagem ao mar como forma de invenção. A felicidade, o amor, a liberdade precisam ser inventados no desconhecido e instável território marinho. A exposição é uma provocação e um convite à reflexão.  “Para quem quer se soltar, invento o cais (...) Invento em mim o sonhador”. 

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    O cais que inventamos lá e que apresentamos aqui parcialmente, aponta para múltiplas abordagens poéticas: intervenções na paisagem, coleta de materiais nos escombros da praia, relação corpo/ambiente, produção de arquivo, fabulações, assimilações atmosféricas, derivas poéticas, entre outras.

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    São gestos simples como o caminhar de costas entre as ruínas da praia proposto por Fernanda Branco ou a experimentação material de enterrar rolos de filmes fotográficos na areia realizada por Tetsuya Maruyama que apontam de modos distintos para uma vontade de experimentar o imprevisível e o imponderável da paisagem. 

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    Algumas propostas buscam criar uma nova linguagem misturando espaço e tempo, Daniel Toledo escreve a palavra “Futuro” com areia da praia no final do asfalto de uma rua já comida pelo mar, Raphael Couto por sua vez utiliza pequenos fragmentos de telhas polidas pelo mar, para criar uma misteriosa escrita. O tempo é medido em fotografias que registram a lenta queda de um prédio nos arquivos de Sônia Ferreira retrabalhados por Julia Naidin em seu “Mar Concreto”. 

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     A auto-fabulação aparece na ritualização do próprio corpo enquanto força ambiental presente no videoarte “ser oferenda” de Mariana Moraes e na memória de mulheres migrantes que desaparecem no mundo mas permanecem em nome de plantas como no vídeo “Madame Jeanette” de Sarojini Lewis, agenciamentos improváveis que rompem as fronteiras e o binarismo natureza/cultura e apontam para dimensões mais que humanas.

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     Obras são criadas para interagir com a força do vento, como no caso da enorme bandeira branca com cabo de bambu de cinco metros de altura hasteada por Carol Valansi no encontro das águas do rio e do mar, sugerindo a ideia de trégua para essas forças constantemente em disputa. Ou as redes fantasmas instaladas por Fernando Codeço nas ruínas do que foi um dia a caixa d’água da Cedae. Esses trabalhos de intervenção efêmera na paisagem criam aberturas de sentidos nos objetos, que na relação com o ambiente ganham nova vida.

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    Isabela Sá Roriz e Thais Graciotti trabalham a partir da experimentação de materiais como látex, vidro, ferro e sal, suas criações parecem materializar a percepção atmosférica da paisagem atafonense, sensações de vertigem, desequilíbrio, fragilidade e desestabilização são incorporados na estruturação da forma de suas obras.

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    De modos distintos os artistas João Paulo Racy e Paulo Victor Santana tratam da ideia da transgressão da paisagem a partir de janelas, nesses trabalhos rompe-se a separação dentro/fora que caracteriza o espaço limiar das janelas, a paisagem transborda o espaço virtual do interior da casa. 

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    Por fim, Lu By Lu performatiza seu encontro com Nico, artista gay que vivia em Atafona no que ele chamou de seu “Bar/raco”, um espaço inteiramente decorado com pinturas, objetos, assemblages, móveis, luminárias, do chão ao teto, das garrafas de cachaça aos eletrodomésticos, tudo no bar do Nico ganhava um nova cor ou desenho. A obra é também uma homenagem a esse artista LGBT falecido em 2023 que proporcionou um importante espaço de encontro entre artistas em Atafona. Nas performances da trans-ativista Lu By Lu são os valores cis-hetero-normativos que são erodidos.

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    As imersões propostas pela CasaDuna no ambiente afetado pela erosão costeira com suas intempéries, delícias e brutalidades compõem a experiência comum que faz parte das criações de cada artista que reunimos nesta exposição. 

 

Julia Naidin, Fernando Codeço e Daniel Toledo

Atafona, São João da Barra - Rio de Janeiro, Brasil
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